CAPÍTULO I
Eu tenho um fusca. Um fusca chamado Falcon. Não. Ele
não é um fusca normal. Ele tem aquela pintura azul opaca, sabe?! Mas um brilho
no olhar indescritível. Quando eu digo olhar eu me refiro aos faróis mesmo, mas
ele não gosta de ser comparado a carros. E quando eu digo que ele não gosta, eu
me refiro a crises reais de mau funcionamento como manifesto. Na verdade eu
acho que ele não sabe que é um carro. Ele já não é mais um carro como antes.
Mas tenho certeza que logo que ele “nasceu”, em 1979, ele devia ser o mais
charmoso da sua geração.
Eu não sei como foi sua trajetória no começo da vida,
até porque eu só fui surgir sete anos depois dele. Mas fui vê-lo pela primeira
vez no dia 24 de maio de 2008. Eu voltava de uma viagem com minha mãe. Não tem
como esquecer esse dia, o dia que eu ganhei meu primeiro carro. Ou melhor, o
dia que eu conheci o Falcon.
Eu até poderia dar uma enfeitada na história e dizer
que o meu grande sonho era ter um fusca, por ser amante da espécie. Mas o fato
foi que, quando eu pedi um carro para o meu pai, eu estava em uma fase da
faculdade em que eu passava os três períodos do dia andando para cima e para
baixo, atrás das aulas nos vários extremos do campus da universidade. Nossa rotina era realmente exaustiva. E
estudante que é estudante nunca tem dinheiro. Então eu me lembro com perfeição das
palavras de recomendação que eu usei naquele dia: “eu preciso de um meio de
transporte, qualquer um, só, por favor, que não seja um carro a gasolina. E de
preferência que não seja um fusca, eles consomem muito. Mas se for um fusca,
que seja a álcool.” Eu já tinha tido uma experiência anterior com um fusca de
uma amiga, e sabia o prejuízo que eles podiam dar. Então, confesso que, quando
cheguei em Curitiba, depois de uma viagem a Campinas e lá estava meu pai me
esperando no aeroporto com um fusca... a gasolina, satisfação não foi o meu
primeiro sentimento.
Mas esse é o meu pai, não importa o que você fale, ele
vai fazer o que ele achar que deve. E diante a felicidade dele, que comprou o
carro em parceria com minha tia (e madrinha), não havia espaço para nada além
de alegria. Aos poucos fui descobrindo pequenas peculiaridades, detalhes,
alterações, que faziam daquele, um carro diferente, e se era diferente eu
comecei a gostar.
Falcon tem os bancos e a parte interna das portas de
couro preto. Ele era rebaixado (característica que veio a me dar prejuízos mais
tarde), pneus tão largos que iam além da lataria. Lataria que estava em
excelente estado por sinal. O volante pequeno, estilo esportivo e de acordo com
o vendedor os bancos da frente de modelo procar, e até hoje eu não sei o que
isso significa. É claro que, com o passar do tempo ocorreram algumas mudanças.
Ali estava um carro velho, porém muito bem conservado. Condição que também
sofreu algumas alterações. Não precisou muito, foi nos primeiros instantes de
passeio, ainda nem tínhamos saído das mediações do aeroporto, que eu me
apaixonei por ele.
O dia seguinte foi cheio... cheio de graxa. Passamos o
dia no mecânico. Apesar de ele estar em boas condições, precisávamos ajeitar
pequenos detalhes. Ele tinha que estar perfeito, (obviamente que na medida do
possível), pois dentro de dois dias estaria enfrentando sua primeira viagem
comigo ao volante. Primeiro pequeno detalhe: o freio. Que após muito conserto,
continuou igual, e continua igual até hoje. Ninguém se importa mais, afinal é o
freio do Falcon. O freio funciona bem, a não ser pelo fato de o volante torcer bruscamente
para a direita nas freadas. Mas não se assustem isso é só enquanto o carro está
frio, a partir da segunda ou terceira freada do dia começa a normalizar. Apesar
de ficar um pouco mais perigoso em dias de chuva, em que a situação se agrava,
esse foi um detalhe que eu me acostumei bem, hoje já quase não apresenta mais
perigo.
Já era noite quando finalmente saímos da oficina
mecânica, tudo estava “ótimo” agora. Só falta mais um detalhe, e esse sim eu
diria importante: eu ainda não tinha dirigido ele. Decorrente do problema do
freio, meu pai estava receoso em me deixar pegar no volante até que o mecânico
pudesse resolver. É claro que, ele teve que se acostumar com a virada do
volante também.
Lá estava eu, agora no banco do motorista segurando aquele
pequeno volante, ansiosa por tudo que viria nos próximos dias. Demos várias
voltas pela cidade, foram aceleradas, freadas, buzinadas. E, algumas horas
depois, lá estava eu... Com torcicolo. Os tais bancos procar são muito baixos,
e eu também. Devo ter dirigido umas duas horas com o pescoço esticado para
conseguir enxergar a rua. Vocês podem imaginar quanto de fluído para massagem
muscular eu não tive que usar naquela noite.
A solução? Uma almofada,
que continua lá, fazendo um papel imprescindível até hoje. Aquela dor, aquela
almofadinha, foi a nossa primeira troca de afeto. O Falcon, como sempre,
demonstrando seu carinho de forma bem característica. E eu, como sempre, dando
o troco com humilhações públicas. Se o Falcon falasse, o que será que ele diria
ao descobrir que agora era o carro de uma universitária?
Aqueles dias de folga da faculdade tinham sido bons,
cheios de surpresas, mas estava na hora de voltar para Guarapuava. Cidade onde cursei minha faculdade, onde morei dezesseis anos com minha família e cinco sem
ela.
Eu explico: pouco antes de eu completar três anos, depois de se separar do
meu pai, minha mãe resolveu se mudar do Rio de Janeiro comigo e meu irmão para
Guarapuava, junto com meus tios que já estavam com a mudança pronta. Dezesseis
anos depois fomos para Curitiba, porém eu logo tive que voltar para cursar a
faculdade, afinal não tinha passado em nenhum outro vestibular acessível. Agora
morando com amigos, nem preciso dizer que esses cinco últimos anos foram bem
mais divertidos, né?! E os três em que o Falcon estava junto foram
incomparáveis. Realmente faculdade é uma época maravilhosa.
Era hora de partir. A viagem foi tranquila, pelo menos
para mim. 250 km em quatro horas e meia. Mas eu não estava com pressa, já não
posso falar pelas pessoas que estavam atrás de nós que, não sei porque,
pareciam um pouco estressadas. A Br 277 é uma das mais perigosas do Paraná, eu
estava dirigindo um carro completamente novo, pelo menos para mim, e com
pouquíssima experiência em estradas. Nada mais natural que eu fosse cautelosa.
O resultado? Mais dor no pescoço. Mas, superado isso, eu e Falcon estávamos ali,
começando uma grande amizade. Eu e ele éramos uma troca, ele me passava uma
segurança que só a experiência proporciona, e eu lhe devolvia a juventude que se
notava ter passado.
Me permita dizer que Falcon realmente não é só um carro,antes o vejo como verdadeiro membro da família, o primo mais velho do Francisco que, logo ao ver a foto postada, o reconheceu! Um beijo pra você Falcon!
ResponderExcluirFrancisco sem dúvida foi a única pessoa que expressou um amor sincero pelo Falcon à primeira vista! ahahhahha
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